Decorrem de 16 a 27 de agosto de 2021 trabalhos arqueológicos na Necrópole da Idade do Ferro (séculos VIII a.C. a I d.C.), localizada no Largo da Feira, em Mértola. Esta intervenção resulta de uma parceria da Câmara Municipal de Mértola e da ERA – Arqueologia S.A. e integra-se num projeto de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), intitulado “O Baixo e Médio Guadiana (séculos VIII a.C. – I d.C.): percursos de uma fronteira”, cujo principal objetivo é analisar o povoamento desta área durante a Idade do Ferro.
A escavação em curso faz também parte de um projeto de campo escola no qual participam estudantes de licenciatura, mestrado e doutoramento da Universidade de Sevilha. O objetivo desta campanha é ampliar as escavações a um dos setores da necrópole e, ao mesmo tempo, promover a divulgação do estado atual dos conhecimentos do povoamento de Mértola e do seu território entre a Idade do Ferro e os primeiros séculos da presença romana. A realização de quatro palestras nos dias 17, 19, 24 e 26 de agosto faz parte desse programa de divulgação, assim como a formação dos estudantes que participam nesta iniciativa.
“A história de Mértola estrutura-se em torno do Guadiana e, em particular, da navegabilidade do rio na Antiguidade. Ainda que existam vestígios materiais atribuíveis ao Bronze Final, é na Idade do Ferro que a antiga Myrtilis ganha protagonismo no contexto das rotas comerciais fluviais, terrestres e marítimas. Localizada num cerro, beneficiou de uma posição estratégica no contexto da atividade mineira. De facto, ali chegavam metais de explorações das proximidades e de outros territórios mais distantes por via terrestre, que eram posteriormente escoados através do rio. Do mesmo modo, também ali afluíam materiais oriundos de vários lugares do Mediterrâneo, revelando a sua vocação mediterrânica.
Até há relativamente pouco tempo, os materiais dos primeiros momentos de vida da cidade provinham de achados isolados ou de escavações realizadas no centro urbano. Os materiais da Idade do Ferro identificados durante tais trabalhos apareciam de forma residual em níveis de época posterior, sendo evidentes lacunas de conhecimento sobre as primeiras etapas da vida de Myrtilis. Esta condição de centro portuário de primeira ordem foi, aliás, confirmada por trabalhos recentes no centro histórico da vila, da responsabilidade do CAM (Campo Arqueológico de Mértola) e, agora, pela intervenção arqueológica realizada pela equipa da ERA Arqueologia no Largo do Terreiro da Feira.
É importante salientar que as escavações arqueológicas agora concretizadas no Largo do Terreiro da Feira constituem uma oportunidade para estudar contextos primários e, consequentemente, para aprofundar o conhecimento sobre as fases mais antigas da ocupação de Myrtilis. Consequentemente, o estudo dos espólios recolhidos permitirá caracterizar com maior rigor as comunidades que ali habitaram e enterraram os seus mortos, entre a Idade do Ferro e o período romano.
A escavação arqueológica já iniciada (…) permitiu delimitar a necrópole ali existente. Os dados obtidos permitem, desde já, tecer algumas considerações preliminares relativas à arquitetura funerária, aos rituais e aos materiais ali identificados, assim como assinalar algumas dificuldades que se impõem à interpretação de algumas ocorrências e, por conseguinte, do conjunto de enterramentos.
Diversas sepulturas foram afectadas por violações ou destruídas por actividades posteriores, em muitos casos contemporâneas. Apesar dos problemas de interpretação dos dados já obtidos, é possível afirmar que a arquitectura e a organização desta necrópole são semelhantes às congéneres da região de Almodôvar.
No caso da necrópole mertolense (…), todas as sepulturas escavadas arqueologicamente revelaram a prática da incineração dos corpos ao longo de um período que parece ter tido início, sensivelmente, no séc. VI a.C., prolongando-se até uma época ainda por determinar, eventualmente já durante o período romano. Naturalmente, a continuação das escavações, o estudo pormenorizado dos materiais e, eventualmente, a obtenção de datações absolutas de C-14 contribuirão para aprofundar os nossos conhecimentos sobre as mais antigas fases do sítio a que hoje chamamos Mértola”.