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Entre Mértola e as comunidades alentejanas para saber mais sobre a função social dos museus

A Investigadora Giusy Pappalardo, da Universidade de Catania (Itália), esteve em Portugal a realizar uma Residência Sociomuseológica no Departamento de Museologia da Universidade Lusófona. Entre 11 e 19 de julho esteve em Mértola onde visitou os núcleos do Museu de Mértola e contactou com diversos intervenientes no projeto Mértola Vila Museu.

Aqui vos deixamos o seu testemunho:

Entre Mértola e as comunidades alentejanas para saber mais sobre a função social dos museus. Cheguei ao Alentejo vinda de Lisboa numa tarde quente de segunda-feira no início de julho de 2022, umas das semanas mais quentes do ano. Apesar do cansaço da viagem, o acolhimento da Guilhermina foi uma primeira nota de alegria e uma festiva introdução aos meus dias em Mértola, juntamente com os sons da natureza que ao longo do Guadiana ainda se ouvem no Além Rio, onde o barulho dos carros raramente perturba o sossego.
Sou uma investigadora italiana da Universidade de Catania, na Sicília, e trabalho na área do planeamento territorial com uma abordagem de pesquisa-ação, numa perspetiva comunitária. Atualmente, desenvolvo a minha investigação em sociomuseologia, e por isso passei 3 meses de residência na Universidade Lusófona de Lisboa, recomendada por uma investigadora e amiga, Manuelina Duarte. A mesma Manuelina já me tinha dado a oportunidade de conhecer Cláudio Torres, Susana Gómez e Lígia Rafael de Mértola, durante um ciclo de webinars internacionais que organizámos nos meses mais difíceis da pandemia de covid-19, em 2021, em que falámos sobre as experiências mais vanguardistas no mundo das museologias insurgentes.
De novo Manuelina, enquanto eu organizava a minha viagem a Portugal para 2022, sugeriu que passasse uma semana em Mértola: “ficar pelo menos uma semana lá, é importante”. E, de facto, a minha semana em Mértola – e entre as ruas sem sombras do Alentejo – foi mesmo o tempo mínimo para começar a amar. A compreender e a relacionar-se com esta terra.
Cheguei aqui com Floriane, uma estudante da Prof. Manuelina de museologia na Universidade de Liége, que fará o seu estágio em Mértola. Juntas compartilhamos as dores do calor, o deslumbramento dos lugares, as questões ainda em aberto e a vontade de contribuir para um processo de fortalecimento da comunidade local que está em curso há mais de 40 anos.
O cante alentejano, que Guilhermina continua a praticar com orgulho e esplendor juntamente com outros, deu-me de imediato importantes interpretações. “Povo que canta não morrerá”, lemos na Casa do Alentejo em Lisboa, relembrando as palavras de Michel Giacometti. Trata-se do Cante, e também das formas de expressão e narração, há a própria museologia, entendida como testemunho direto das culturas que viveram e conviveram nos lugares.
O processo de musealização da arqueologia em Mértola, comunicou-me esta importante mensagem, que é sobretudo uma mensagem política. Isso ficou muito mais claro para mim ouvindo as palavras de Cláudio Torres, com quem tive a honra de passar um tempo em sua casa, cercada dos seus afetos. Cláudio e Nádia (sua filha) há muito falam sobre o significado de trazer à luz, falar, dar espaço á cultura islâmica, muitas vezes esquecida nos livros de história.
E as muitas visitas com a Lígia aos museus in situ deixaram o conceito ainda mais claro para mim. “É importante deixar os achados no local onde estão”, sempre especifica Lígia. E na minha cabeça vêm à mente os debates mais atuais da museologia em que discutimos a importância de deter a tendência de centralização da acumulação de objetos, e de empobrecer os territórios já explorados pela ganância dos centros de poder.
A paixão dos especialistas e voluntários do campo Arqueológico – dispostos a continuar escavando esmo sob o sol muito quente deste verão de incêndios e mudanças climática –
confirmou-me a força da mensagem por trás dessas escavações. Susana, Virgílio, outros e outras dedicaram suas vidas a este lugar. A ação de defesa e narração do património de Mértola, que é simultaneamente património natural e cultural, deu nova vida a uma Vila do interior português que, de outra forma, como muitos outros locais à sua volta, já teria quase desaparecido dos mapas.
Espero publicar em breve um relatório que possa dar uma forma mais estruturada de reflexão sobre o processo de escuta e análise realizado numa semana (no final, muito pouco), neste verão quente. Agradeço à Câmara Municipal pelo apoio neste trabalho.
Espero voltar a Mértola em breve, mas certamente trago para a Sicília – uma terra muito parecida com o Alentejo – uma lição muito clara sobre a função social dos museus: a capacidade de destacar, preservar e renovar narrativas que de outra forma seriam silenciadas.
Levo comigo as imagens impressas do trabalho de Maria Helena e das outras mulheres da Oficina de Tecelagem, da paixão de Orlando pela preservação de memória num dos núcleos museológicos mais periféricos de Mértola (Alcaria do Javazes), o cuidado com que a equipa do museu e outros locais nos acolheu, orientou e nos inspirou.

Giusy Pappalardo
Julho de 2022

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