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Lembrar Serrão Martins – Mina de S. Domingos e Mértola – 16 a 25 de março 2024

Lembrar Serrão Martins

Mina de S. Domingos e Mértola – 16 a 25 de março 2024

No âmbito da iniciativa Lembrar Serrão Martins não podemos esquecer a sua visão inovadora de desenvolvimento para o território, aliada à de Cláudio Torres. Ambos perceberam que aliando as potencialidades patrimoniais a uma investigação e divulgação de excelência contribuiriam para o desenvolvimento deste território e desta comunidade.

Nas palavras de Cláudio Torres, “desde os primeiros contactos com Mértola e por razões sobretudo de identificação política, sentimo-nos naturalmente envolvidos na vida e interesses da comunidade. Por outro lado, a escavação decorria nas imediações do castelo, no interior do aglomerado, no local tido pelos habitantes como o seu ponto de referência coletiva, a sua alma comunitária. Ao escavar no castelo, estávamos forçosamente a tocar no mais profundo do imaginário coletivo, despertando natural e inevitável curiosidade. Logo no decorrer das primeiras campanhas, aprendemos a ouvir os comentários e justificar o nosso trabalho. A Câmara Municipal foi, desde o início, na figura de Serrão Martins – o primeiro Presidente da Câmara eleito democraticamente – o grande intermediário e impulsionador deste projeto. Assim, com um Poder Local motivado, encontrámos estímulos para prosseguir numa aventura em que a Autarquia era não só um investidor, como um interveniente diretamente envolvido. Por esse motivo determinante, o Projeto de Mértola passou a ser, na altura, um projeto pioneiro(TORRES, Cláudio, A arqueologia, o território e o desenvolvimento local” in, Seminário Efeitos Sociais à escala local, Mértola, Campo Arqueológico de Mértola, 2001, pg. 22.).

Num texto de Serrão Martins podemos ler “(…) Sim, a velha Myrtilis prossegue a sua modorra secular. O castelo, lá em cima, continua a sua agonia centenária. O seu corpo carcomido e velho desfaz-se. Morre lentamente. De vez em quando, uma pedra abandona as muralhas e, tristemente, rola pela encosta. Só a torre de menagem se ergue ancha. Olha o vasto terreno circundante. Rememora eras longínquas, glórias do passado. Mas, já não vê nem ouve. Recorda, apenas agonizante e desesperada. O rio, o Guadiana, contínua tão selvagem como outrora. Corre, langoroso e livre, no seu leito milenário e virgem. Nas suas margens, algumas árvores raquíticas miram-se no espelho líquido das águas. Não haverá possibilidade de integrar o Guadiana e o castelo no futuroso movimento turístico? É absolutamente necessário fazê-lo. Só assim, os turistas que passam rapidamente nos seus carros ou que fazem uma breve paragem para tomar uma bebida poderão demorar aqui um pouco mais ou, talvez, fixar-se por alguns dias. Impõe-se, portanto, que Mértola desperte e não se limite apenas a testemunhar o progresso turístico do país, mas venha a tornar-se um dos seus elementos activos”.

Sobre António Manuel Serrão Martins (n. 1944 – f. 1982)

Figura central da autarquia de Mértola no período revolucionário e no regime democrático, Serrão Martins foi presidente da comissão administrativa de 1974 a 1976 e da câmara municipal entre 1977 e 1982. Tornou-se o símbolo de abril em Mértola, em vida e após a sua morte. Deixou um legado imenso: Mértola deve-lhe o rumo que o concelho tomou em diferentes domínios da gestão autárquica e, a vila, o projeto que fez dela museu. (…) Nobre nos ideais, livre no espírito, apaixonado pela sua terra e pelas suas gentes, o jovem autarca que se fez doutor em História para melhor servir as suas causas deixou um legado humano e material imenso. Mértola deve-lhe o rumo que o concelho tomou em diferentes domínios da gestão autárquica e a vila o projeto que fez dela museu e exemplo pioneiro de investimento cultural entre os municípios portugueses (in, BOIÇA, Joaquim M. F, Mértola da República à democracia – 1910-2014. O Poder local municipal e as suas figuras, Mértola, Câmara Municipal de Mértola, 2016. Pp. 68-75.).

António Manuel Serrão Martins, “nascido na vila a 25 de março de 1944, aqui estudou as primeiras letras. A morte do pai quando tinha apenas 11 anos fez com que rumasse ao Seminário do Telhal (concelho de Sintra), única possibilidade então de continuar os estudos. Volta a Mértola para concluir o 5º ano do liceu, antes de rumar a Beja, em busca de trabalho. A Caixa de Previdência dos Empregados de Escritório, onde encontrara um posto, possuía uma delegação na Mina de São Domingos, o que lhe permite regressar ao concelho e acompanhar os últimos e dramáticos anos de funcionamento desta exploração. Antes de partir, em 1967, para o serviço militar (entre outras colocações, cumpre dois anos em Moçambique como oficial miliciano, no decurso da guerra colonial), aproveitara para concluir o Curso Complementar dos Liceus, o que o habilitará, a partir de 1971, regressado de África, a lecionar no Externato Local, onde fora aluno, casando com Ondina Palma no ano seguinte.

O papel que desempenhara durante a ditadura – esclarecido ativista contra o regime, sempre ao lado dos eu povo e empenhado por todos os meios em melhorar as difíceis condições de vida dos mais pobres – levam a que seja escolhido, após a restauração das liberdades políticas em 25 de abril de 1974, para Presidente da Comissão Administrativa (executivo provisório), e, depois eleito, em vários sufrágios, como Presidente da Câmara de Mértola. Tornou-se ‘viciado na resolução pratica dos problemas’ (…) ‘queria recuperar de cinquenta anos de ostracismo, de marasmo’.

Encontrou tempo, não obstante, no meio de uma gigantesca atividade política (grande parte das infraestruturas modernas eram inexistentes, nessa data, na maior parte do concelho), para concluir, na Faculdade de Letras de Lisboa, a licenciatura em História, a sua grande paixão, e para lançar as bases de um projeto cultural e patrimonial que viria a tornar, para lá do prestígio internacional que hoje possui, num modelo admirado em todo o país: Mértola, vila museu” (BOIÇA, Joaquim e MATEUS, Rui, Mértola Vila Museu – Roteiro de História Urbana e Património, Mértola, Associação de Defesa do Património de Mértola, 2014, pg. 255.).

Em 1977, Serrão Martins estava a terminar a licenciatura em História, o que o obrigava a ir mais vezes a Lisboa, às aulas. Concluiu o curso a 25 de julho de 1977. É neste contexto que se cruza com duas figuras maiores da História, ambos seus professores: o arqueólogo Cláudio Torres e o historiador António Borges Coelho. (…) Cláudio Torres recorda o dia da primavera de 1978 em que os dois docentes e o antigo aluno se puseram a caminho, no carro dele: ‘Curiosamente como sempre, Borges Coelho fazia perguntas. O Serrão respondia como podia…’ Não se calaram! ‘Foi uma viagem muito interessante de preparação para a entrada em Mértola. Na Vila estava tudo também em construção, estava tudo à espera do milagre’ do que ia acontecer a seguir. Toda a gente tinha uma enorme admiração pelo Serrão, todos esperavam que ele fizesse qualquer coisa de fabuloso na vila’, comenta prosseguindo: ‘Viemos diretamente ou quase diretamente para o Castelo, o polo agregador da vila’. Uma série de cacos e fragmentos partidos no largo da fortaleza, eu o arqueólogo ‘já conhecia teoricamente como da época islâmica’, chamou a atenção dos historiadores e do próprio presidente, que já não ia para os lados do castelo há algum tempo. Cláudio Torres que pensou imediatamente que era preciso fazer qualquer coisa depressa dali, mais do que recolher as peças. ‘Essa primeira visita a Mértola com o Serrão foi logo uma porta que se abriu para o futuro que eu estava a antever há muito tempo. Esse encontro, essa colagem do mundo do islão-Mértola ao Serrão Martins e ao que ele estava a fazer, a construir nesta vila qualquer coisa de interessante para mim que era um jogo da atualidade, a presença e a evolução que estava a acontecer do pós-25 de abril em todo o Alentejo, e um salto, uma ponte para o passado que pudesse também justificar não só esse presente violento e lindíssimo que estava a acontecer, como principalmente abrir uma perspetiva de diálogo e de desenvolvimento para aquele território’. Esses dois dias em Mértola ‘foram fundamentais, para começarmos a gizar um plano de eu vir para cá trabalhar e começar aquele projeto político-cultural ligado ao passado, para criarmos desenvolvimento para o futuro’. (…)

No verão de 1978, o projeto de desenvolvimento integrado do concelho começa a ganhar terreno. Iniciam-se as escavações em Mértola, com equipas de alunos da Faculdade de Letras selecionadas pelo arqueólogo, e o apoio incondicional do Município, que cedia o antigo Dispensário para alojar os voluntários. (…) Por um lado, Serrão estava muito interessado na investigação arqueológica. (…) E Cláudio Torres estava muito interessado ‘naquilo que ele estava a fazer, a criar a organizar. Garante: ‘Foi um período criativo para nós os dois’.

O arqueólogo conta que a ‘atmosfera fecunda’ que se vivia na vila daria lugar a um acontecimento particularmente aliciante, como o que ‘tornou o Antigo Dispensário num pólo interessantíssimo de debate-político’. Está seguro de não ter ocorrido nada semelhante em outro lugar do país. ‘Era ali que, à noite, se discutiam as novidades do dia, localmente, e o que tinha acontecido no país e no mundo’. Juntava a equipa de arqueologia, que começou a vir todos os anos para Mértola, ‘também com objetivos políticos’, e a ‘malta da câmara que estava ali sedenta de novidade’.

Mesmo hoje, é fácil imaginar o homem que um dia assomou à varanda do primeiro andar do edifício da Câmara, para falar à população que acabara de o eleger, subir até ao Castelo. Para, desse ponto estratégico olhar a sua vila, centro do enorme território que, libertado da miséria e do esquecimento, marcaria para sempre: dando-lhe um novo rumo, onde a palavra-chave é progresso. Serrão Martins foi, e continua a ser, quase 40 anos depois da sua morte, sinónimo de figura maior de liberdade, desenvolvimento, justiça e aspiração de um mundo melhor” (in, SERRÃO, Júlia, Serrão Martins – Uma vida dedicada aos outros, Mina S. Domingos, Fundação Serrão Martins, 2023, pp. 89-94.).

Ver o programa em https://www.cm-mertola.pt/municipio/comunicacao-municipal/noticias/item/7276-lembrar-serrao-martins-2

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